45ª Mostra Internacional de São Paulo: Os Perigos da Nostalgia em “Noite Passada em Soho”

Por Felipe Palmieri

Na última noite de quarta-feira, dia 20 de outubro, estreou na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo o novo filme do aclamado diretor Edgar Wright, “Noite Passada em Soho”. Em uma sessão de lotação máxima (dentro dos limites impostos pela pandemia) da qual tivemos a oportunidade de participar,pela primeira vez uma audiência cinematográfica brasileira pôde fruir coletivamente a experiência proposta pelo autor britânico. Autor este que retorna às raízes de sua recente mas afortunada trajetória na indústria.

Em 2004 Wright lançava seu primeiro longa-metragem, que alcançou o grande público, o irreverente e bem-sucedido Todo Mundo Quase Morto, que até agora era a única vez na qual as influências de horror do diretor haviam sido escancaradas em tela. Desde então, o escopo de suas obras foi progressivamente ficando maior, e por consequência se voltando ao espaço comum da comédia e ação, paralelamente à sua inserção na cadeia industrial hollywoodiana. Com Noite Passada em Soho, Wright mantém o crescente intento cinemático, mas retorna ao âmago de sua carreira.

O filme marca um retorno à Inglaterra para o diretor, país natal de Edgar Wright e local que abrigou todo o início de sua carreira, mas que não era cenário para seus filmes há quase dez anos. É também o mais inclinado ao horror e suspense dentre todos de sua filmografia, assumindo isso desde a divulgação inicial, com o diretor vocalizando em entrevista ao timeout os diversos filmes que circundam o gênero do terror e que serviram como pedestal na concepção de Noite Passada em Soho.

Inspiração talvez seja até mesmo uma palavra branda para descrever o efeito das referências sobre o novo esforço de Wright. O filme narra a história de Eloise (vivida por Thomasin McKenzie), uma jovem do interior da Inglaterra que se aventura em Londres ao ser aceita na Universidade de Moda. Entendemos desde o início que Eloise, ou “Ellie” (como prefere ser chamada), tem algo de errado consigo — ela enxerga o fantasma de sua mãe nos espelhos de casa. Sua avó, a mulher que a criou sozinha, sabe disso e se preocupa com o que acontecerá à Ellie indo morar sozinha na maior cidade do Reino Unido.

Na Universidade, Ellie, com seu jeito interiorano, sofre para tentar encaixar-se dentre os colegas. Sua colega de quarto é o mais próximo estereótipo de uma vilã do “grupo popular do colégio”, nos veios da icônica Regina George em Meninas Malvadas (2004). As festas são o último local em que a recém chegada Ellie gostaria de estar, e ela não aguenta ficar assim por muito tempo.

Então Eloise aluga um apartamento antigo e estranho, no sótão de uma velha senhora que mora no infame bairro de Soho, para morar sozinha. Parece inicialmente o lugar perfeito, uma mistura do amor da jovem pelos anos 60 com o conforto da solitude. Mas logo as coisas começam a ficar estranhas, e a herança do bairro, personificada em Sandie (vivida por Anya Taylor-Joy), passa a atormentar as noites da estudante.

Essa presença dos anos 60 no filme é proeminente desde o primeiro plano, e é o tema seguido pela obra em sua completude. Desde referências diretas a filmes, como o poster de Bonequinha de Luxo (1961) estirado na parede de Ellie, ou a constante trilha sonora de músicas populares da época, Noite Passada em Soho vive e morre pela expressa nostalgia da época. O filme incorpora tal nostalgia no cerne de seu conflito, tanto tematicamente quanto fisicamente, na figura da personagem Sandie e principalmente no Design de Produção e de Arte. O próprio título do filme é derivado de uma música homônima do grupo britânico Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich, que em entrevista ao portal NME, Wright afirmou ser: “a melhor música título para um filme que já foi feita”.

A má fama do bairro de Soho, no qual a narrativa do filme se desenvolve, não é recente. Antes da década de 80, era uma região de Londres conhecida pela vida noturna proativa, prostíbulos e sex shops. A própria co-roteirista do filme, Krysty Wilson-Cairns, trabalhou como barista no próprio bar que aparece como locação em tela. Em entrevista ao Collider, ela afirmou ter baseado muito do roteiro em suas próprias experiências, descrevendo em detalhes na tela como é a vivência de muitas “noites passadas em Soho”, inserida no meio dos pubs e vivendo num quarto alugado no andar de cima de um prostíbulo.

Visualmente, Wright se apropria também da estética do cinema sessentista, através de enquadramentos, luzes, locações, arquétipos, entre outros. Isso foi aberto ao público pelo próprio diretor, o qual até mesmo nomeou referências como Peeping Tom (1960) e Repulsa ao Sexo (1965) em diversas ocasiões. O instituto britânico BFI também realizou um estudo de referências ao cinema clássico inglês que estão presentes no filme, principalmente nas figuras arquitetônicas que dão identidade ao bairro titular.

A nova aventura proposta por Edgar Wright já teve sua estreia no circuito mundial, e está com distribuição comercial no Brasil prevista para o dia 18 de novembro. O filme está também disponível na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que vai até o dia 03 de novembro.

*Parte da nota “#4 Lançamentos do mês de outubro”