A diretora que trouxe o olhar sobre a condição feminina jamais explorado por um cinema marcado pelo patriarcalismo.
Por Lucas Morais
Precisamos reconhecer Ana Carolina. É isso aí! Não, não aquela que canta “É Isso Aí”. Quer dizer, talvez ela também cante isso aí no banho, num mar de rosas, num sonho de valsa a plenos pulmões, das tripas coração. Mas não é sobre isso que estou falando, mas sim da cineasta Ana Carolina Teixeira Soares. Pouco conhecida e comentada atualmente, ela ainda teve o azar de ver seu nome ser apropriado por outra pessoa nas artes, na mídia e em pesquisas.
O caminho nunca foi fácil. Como ela mesma conta no programa Sala de Cinema (SescTV, 2020), “chorava a tarde inteira se deixassem, só não chorava a tarde inteira porque apanhava”. Fez diversos vestibulares e faculdades — chegou a prestar até mesmo medicina — até ser atraída por um cartaz curto e simples: “faça cinema”. Começou com documentários até ser presa pelo DOPS, em 1969, que a fez assinar um termo de responsabilidade de que “nunca mais faria um documentário”, como conta no Memória do Cinema, em depoimento gravado em 1989 para o Museu da Imagem e do Som de São Paulo — MIS.
Ironicamente, seu primeiro longa seria mais um documentário, sobre Getúlio Vargas — mas dessa vez seria diferente. Seu horror ao poder — estimulado pelos 20 anos do suicídio do presidente — a levou a pensar sobre um paralelo interessante: qual a raiz do poder, sobretudo no meio familiar?
O interesse não surgiu por acaso, mas sob a influência de dois momentos especiais em sua vida e infância: o encontro da diretora com o seu pai no palanque, junto de Getúlio, e o testemunho do choro de Paulo César Pereio, narrador do documentário, ao lembrar de seu próprio pai, tenente da Revolução de 1932. Esse retorno à infância e o estudo do poder gera três grandes filmes do cinema nacional: Mar de Rosas (1977), Das Tripas Coração (1982) e Sonho de Valsa (1987), a trilogia da condição feminina.
Sendo divididos em infância, adolescência e maturidade, os três primeiros longa-metragens de ficção da diretora geram forte identificação com o público jovem dos dias de hoje, principalmente pela exposição de inseguranças e medos inerentes a essa fase. Ana brinca, no Roda Viva (1994), que tem medo de tudo — “tenho medo de fazer um filme bom, tenho medo de fazer um filme ruim”. O que é mais jovem adulto do que a sensação de uma “falsa” maturidade? Seu longa representativo da fase, — Sonho de Valsa — é recheado dessas questões do início ao fim. A maturidade não está no não sentir, mas em como lidar com seus próprios sentimentos.
Os filmes de Ana Carolina podem se tornar pouco atrativos para jovens por não haver mais o costume de lidar com antigas questões técnicas do cinema, como a imagem ou som dublado, mas seus sentimentos não poderiam ser mais atuais. Desde o questionamento de poder de Getúlio em meio ao governo Geisel — infelizmente, de fácil identificação com o governo atual — aos sentimentos femininos mais diversos.
Ao Sala de Cinema, a diretora diz que todos seus personagens são ela. Ana oprime e é oprimida. Ana agride e é agredida. Seus filmes podem parecer envelhecidos, mas a sensação da busca por si dentro de si permanece sempre atual. Ana Carolina pode até dividir nome, mas é única. A persona projetada em sua filmografia não poderia ser feita por mais ninguém, porque mais ninguém é Ana Carolina, mesmo que em seu universo ela seja todo mundo.
Referências:
Memória do Cinema | Ana Carolina. Acesso em 17 de ago. 2021.
Roda Viva | Ana Carolina | 1994. Acesso em 17 de ago. 2021
Sala de Cinema: Ana Carolina. Acesso em 17 de ago. 2021.