Disobedience: a vida que levamos

Após o sucesso de Una mujer fantástica, Sebastián Lelio coloca em questão os limites da sexualidade e da religião e se somos quem somos por nossas escolhas ou pelo lugar em que vivemos

Por Guilherme Schanner*

Ronnit Krushka (Rachel Weisz) é uma fotógrafa inglesa que, durante uma sessão de fotos em Nova York, recebe uma ligação informando que seu pai, um rabino de uma comunidade judaica ortodoxa, faleceu. Arrasada, Ronnit volta para a Inglaterra e não é bem recebida por ser considerada a filha rebelde e desertora de um homem que era um “gigante” da fé. Em meio a isso, reencontra-se com Dovid, seu melhor amigo e protegido de seu pai, e Esti, sua melhor amiga e paixão de infância, agora casada com Dovid. Ao decorrer do filme, vemos o romance de Ronnit e Esti reacendendo-se a cada encontro e pondo em risco a ira da sinagoga e de seus vizinhos por desobediência às tradições impostas.

A intenção do diretor chileno de criar um ambiente frio e sufocante é evidente logo no início do filme, através do uso de figurinos cheios de casacos escuros, cachecóis e toucas, com o objetivo de representar a depressão e a falta de liberdade das personagens — seja a falta de conclusão que Ronnit tem com seu pai ou a sensação de aprisionamento de Estit em seu casamento com Dovid. Embora Estit consiga achar momentos de felicidade em seu trabalho e na interação com outros membros da comunidade, ainda se sente infeliz por viver como uma homossexual não assumida.

Para mostrar a emoção dos personagens, os quais lutam de alguma forma contra o tradicional, a fotografia da obra utiliza-se de muitos closes, com o objetivo de revelar os sentimentos furtivos de constrangimento, angústia, nostalgia e desejo. Por outro lado, também foca nas conversas e palavras veladas dos rabinos e de outros membros da comunidade preocupados com a quebra de conduta de Ronnit e Estit. Nada é muito dito sobre o passado das personagens, e cabe a nós, com a ajuda da câmera, descobrir e entender o que se passa na cabeça das duas.

A trama, embora interessante, é lenta e segue o padrão da maioria das histórias de paixão: dois amores se reencontram depois de anos separados, e um deles está comprometido, mas a atração de um pelo o outro fazem eles quebrarem as normas, pondo em risco suas reputações e vidas. O livro de Naomi Alderman — obra homônima que serviu como inspiração do filme — retrata a apatia dos três protagonistas com as vidas que levam. Dovid, no livro, é retratado como alguém que não quer ser o próximo rabino, mas não quer contrariar a comunidade. Estit é mais apática e sufocada na obra literária, com um desfecho mais triste, tendo sua personalidade apagada no fim. As adaptações nem sempre fazem justiça com a alma da obra original, mas a intenção de Lelio em transformá-la em uma história mais otimista e colorida trouxe benefícios ao filme. Sem isso, assisti-lo seria uma tarefa tediosa e agonizante.

Em vários momentos, o filme coloca em questão se vale a pena quebrar tradição ou viver por ela. Claramente, Estit vive um casamento de fachada, enquanto outras mulheres parecem viver conformadas e satisfeitas com a vida que levam dentro da comunidade ortodoxa. Ronnit tem uma vida que sempre quis em Nova York, mas foi apagada da memória de familiares e amigos e sente-se atormentada pela ausência de seu pai. Em muitas maneiras, o filme discute a liberdade do indivíduo, tanto no aspecto social quanto religioso, com o pai de Ronnit debatendo o livre-arbítrio das pessoas estar entre “a graça dos anjos” e “o desejo das feras”. Mais que um filme mostrando o amor lésbico maduro, Disobedience também é um filme sobre um grito de liberdade contra a autoridade patriarcal e o desejo de ser aceito como você é.

Sobre o autor: Guilherme Schanner é formado em Jornalismo, pós-graduando em Jornalismo esportivo e amante da sétima arte. Interessado pela maneira que o cinema retrata a vida de muitas pessoas e sua visão do mundo ao redor.