Emma Seligman fala sobre suas inspirações e trajetória até “Shiva Baby”

Por Davi Krasilchik

Em entrevista, Emma Seligman fala sobre suas inspirações, descreve sua trajetória e ainda fala de suas expectativas para o futuro, entre muitas outras curiosidades

No dia 04 de Julho de 2021, eu tive a oportunidade única de entrevistar a diretora canadense, Emma Seligman. Formada em 2017 na “NYU ‘s Tisch School of Arts” , a cineasta lançou recentemente o seu longa de estreia, “Shiva Baby”, projeto baseado em um curta homônimo que vem arrancando elogios por onde passa desde a sua estreia em festivais em 2020.

Trazendo fortes elementos cômicos, o filme conta a história da jovem Danielle (Rachel Senott), uma moça prestes a ingressar na faculdade que sofre com constantes pressões relacionadas a um futuro incerto. Abalada pelos julgamentos constantes de amigos e familiares, ela se vê encurralada quando encontra a sua ex-namorada e um de seus amantes, acompanhado de sua esposa e bebê recém-nascida, em um velório organizado por conhecidos. Incapaz de deixar o evento, será assim forçada a enfrentar suas maiores angústias pessoais.

A partir do recorte de uma comunidade judaica, a diretora expande o seu trabalho de conclusão de curso em uma obra extremamente bem administrada, conseguindo gerar diversas reflexões sobre auto-aceitação — trazendo uma personagem presa entre diferentes influências e rédeas morais — e libertação pessoal. Dessa forma, o filme é uma ótima recomendação para aqueles que buscam experiências inovadoras no âmbito da comédia, conforme você pode conferir em uma crítica também de minha autoria.

Simpática e extremamente solícita, a cineasta falou sobre as suas inspirações para a obra, descreveu um pouco a sua trajetória no cinema e ainda falou um pouco de suas expectativas para o futuro, entre muitas outras curiosidades, conforme você confere logo abaixo:

(a entrevista foi traduzida para o português)

Davi: Como estudante de cinema, eu ainda estou tentando descobrir o meu estilo, tentando entender como transportar dilemas pessoais para as telas, e por isso eu imagino que muitos como eu adorariam ter a oportunidade de aprender um pouco com você! Então, Emma, você poderia falar um pouquinho sobre a sua trajetória? Quando você descobriu que queria estudar Cinema? Como você chegou até “Shiva Baby”?

Emma: Claro! Bem, eu cresci com grandes cinéfilos, os meus pais. Eles não trabalhavam na indústria, simplesmente amavam filmes, então eles se tornaram uma grande parte da minha vida. Eu adorava assistir grandes clássicos, filmes bem antigos de Hollywood, aqui no Canadá, e como cresci em Toronto o “Festival Internacional de Toronto”, “TIFF”, foi muito importante para a minha vida. Eles tinham um programa infantil e eu acabei participando de vários comitês juvenis, ajudei em algumas edições. Então desse jeito eu sabia que queria trabalhar com filmes, só não sabia ainda como. Primeiro eu quis ser atriz, depois roteirista, e depois durante um bom tempo eu quis ser crítica de cinema. Eu não sabia nada de direção, nada no sentido técnico, nunca tive uma câmera nem nada. Mas eu acabei conhecendo muitos jovens diretores, alunos de universidades, pelo comitê juvenil do “TIFF”, vi muitos dirigindo curtas, projetos de pequena escala, e me interessei. E aí eu dirigi teatro no colégio, e quando chegou a hora de ir para a universidade eu decidi que estudaria Cinema.

Emma: Em relação a “Shiva Baby”, eu acho que foi o primeiro projeto narrativo que eu quis fazer, porque eu já tinha feito alguns outros curtas mais experimentais ao longo do meu curso. E eu queria que se passasse em um núcleo judaico, porque eu sabia que seria mais fácil de escrever, colocar muitos diálogos. E o conceito surgiu bem naturalmente, fiquei muito interessada na ideia de fazer algo cômico em uma Shiva (espécie de velório judaico), principalmente algo que tivesse contexto sexual, algo sombrio mas ainda assim engraçado. A partir daí, à medida que fui desenvolvendo o curta, e depois o longa, o filme foi ganhando cada vez mais significado, passou a ser mais a personagem, mais centrado no que acontecia com Danielle.

Davi: Isso é muito interessante! Eu também pensei durante muito tempo em ser um crítico de cinema, mas acho que sempre soube que eu não seria capaz de apenas avaliar filmes feitos por outras pessoas e não me envolver com alguma criação própria. Então me identifico bastante com a sua história! Mas bem, você disse que o filme foi baseado em um curta. O curta foi lançado em 2017, né?

Emma: Eu filmei ele em 2017 mas ele foi lançado em 2018, quando começou a passar em festivais.

Davi: Certo. E acho que já nele a gente consegue sentir muito bem todo o desconforto que o longa consegue transmitir. Como foi essa experiência de expandir um curta para um filme de maior duração? O que te fez decidir que a história de Danielle merecia ser ampliada?

Emma: Bem, eu comecei o meu último ano de faculdade pensando em um projeto de “prova de conceito”, pensando em uma história que pudesse ser expandida depois. Isso eu já tinha claro desde o começo. E foi bem desafiador, acho que o desafio de escrita mais difícil que eu já tive e talvez vá ter, não tenho certeza. Exigiu muitos rascunhos, e acho que o mais desafiador foi manter tudo em um só espaço sem que ficasse chato ou muito irreal, o que não combinava com o filme que eu queria fazer. Então demorei várias versões para encontrar o tom certo, tendo até personagens que eu tive que cortar, mesmo que os principais sempre se mantivessem os mesmos. E em uma história que se passa em um único dia, você não consegue realmente entender quem são aquelas pessoas, ver a verdadeira história delas, e isso complicou definir a trajetória, a dinâmica entre elas. Então o processo criativo foi mais ou menos assim, e eu reescrevi até pouquíssimos dias antes das filmagens. Mas isso é super normal, esses projetos estão sempre mudando.

Davi: A gente ainda não chegou na parte mais prática do curso, por conta da pandemia e tudo mais, mas eu entendo totalmente. Tô tentando escrever um curta agora e realmente, são várias e várias mudanças até ficar do jeito que a gente quer. Bem, você disse que antes que um dos principais aspectos que te deixaram interessada na história era esse contraste entre essa ocasião de morte e um clima mais cômico. E com certeza o filme é bem engraçado, tem muitos alívios cômicos, arquétipos adoráveis, e mesmo sendo bastante estressante em alguns momentos, eu ainda senti que era uma história leve e fácil de assistir. Dá pra perceber que vocês devem ter se divertido bastante nas filmagens! Como foi essa experiência? E porque você escolheu contar essa história através da comédia?

Emma: Eu sempre gostei muito desse humor mais sombrio, sempre achei uma ótima maneira de contar histórias mais complexas. Então eu queria muito contar uma história seguindo esse formato, porque eu já conhecia muito bem e tinha muita confiança de que seria bastante engraçado. Eu sinto que os dilemas que a Danielle enfrenta não são necessariamente sombrios, mas muito menos são leves, eles são sérios, ligados com a dificuldade comum de auto valorização. Então naturalmente seria algo um pouco denso.

Emma: A experiência das filmagens foi muito divertida! Foi a parte mais estressante, junto com a finalização do filme, mas ainda assim a gente se divertiu bastante. Foi bastante quente, a gente suou bastante, mas a equipe conseguiu se tornar bastante próxima, como uma verdadeira família. E ninguém se comportou feito “diva”, todos foram bem humildes, muito solícitos. Então foi ótimo, mas também intenso. Nem sempre é fácil lidar com um bebê chorando.

Davi: Nem imagino o quão difícil deve ser filmar com um bebê chorando! (risos). Mas é engraçado, né, como o humor consegue ser libertador. Como se a gente percebesse que vários julgamentos que afetaram a gente no passado não possuem mais esse mesmo efeito. A ironia nos ajuda a perceber que podemos ser quem somos de verdade. E pra mim esse é o grande desafio da Danielle. Como foi construir essa personagem junto com a Rachel, durante as filmagens?

Emma: Foi desafiador, mas muito bacana construí-la com outra pessoa. Pro curta, eu sinto que coloquei nela muitas das minhas ansiedades pessoais, enquanto a Rachel, mesmo colocando um pouco dela nela, não teve esse mesmo espaço. Com o tempo, eu percebi que me distanciei um pouco da Danielle, fui superando alguns aspectos, mesmo ainda tentando me prender bastante a ela, enquanto eu acho que a Rachel, infelizmente, começou a se aproximar mais dela. Ela começou a passar por fases, situações parecidas, se questionando bastante, e conseguiu se entregar ainda mais ao papel, como se eu estivesse entregando a personagem para ela. Eu enviei então várias versões, anotações para ela e, juntas no set, conseguimos nos comunicar super bem, foi muito fácil dirigir ela. Foi adorável! Difícil em alguns momentos, mas ao mesmo tempo muito simples, conseguimos preencher ela com duas perspectivas e desenvolver essa personagem única, essa personagem que, como você disse, aceita ser quem ela realmente é no final.

Davi: Deve ser realmente incrível perceber que uma personagem que parte de uma escala tão pessoal dialoga super bem com outras pessoas, tem dilemas que não são apenas dela e com os quais muitos se identificam. E que ótimo saber que a Rachel entendeu essa personagem e juntas vocês tornaram ela tão interessante! Pra mim essa escala pessoal é um dos aspectos mais interessantes do filme, e reassistindo ele recentemente fiquei surpreso com o quão natural tudo parece. As interações, os diálogos. É tudo tão familiar, a pressão que a Danielle sofre, presa naquele lugar enervante no meio de tantos julgamentos. Você pode falar um pouco sobre como é produzir uma história tão baseada em experiências pessoais?

Emma: Eu pensei que isso seria tão fácil, e pro curta até que foi na verdade, porque foi mais leve, eu nem percebi o quão pessoal era. Mas pro longa, à medida que fui me aproximando das filmagens, eu queria realmente me conectar demais com as personagens, e dirigir da melhor forma possível todo o pessoal, então ficou tudo mais difícil. Ou pelo menos eu passei a me cobrar demais, porque eu queria aproveitar aquele tempo o máximo possível, mas como eu já tinha me distanciado um pouco das situações da personagem estava complicado, eu não conseguia reviver aqueles sentimentos. Até a Rachel chegou a dizer pra mim, “é o meu trabalho atuar, você não precisa ficar mais revivendo isso”. Então é, foi complexo, não me vejo fazendo algo tão pessoal tão cedo.

Davi: É bem misterioso isso, né? Porque às vezes temos tão claro, em uma história que estamos criando, o que aquilo significa pra gente, que fica difícil saber se esse sentido está sendo comunicado para além de nós mesmos. Não que na arte, múltipla como ela é, existam significados únicos, mas como saber que estamos transmitindo o que queremos transmitir? É mesmo bem complicado.

Emma: Eu acho que é sempre importante a gente seguir o nosso instinto, acho que quando a gente pensa demais sobre aquilo é que começa a ficar complicado. E não tem muito o que fazer, como você disse, cada um vai ter a sua interpretação única, então segue a sua e deixa chegar a cada um do jeito que deve chegar!

Davi: Você tem total razão, preciso fazer isso! (risos). Mas né, acho que mesmo assim a gente consegue perceber que nossos conflitos pessoais são sempre universais. No caso do filme, não importa se somos judeus, ou qualquer outro aspecto, qualquer um consegue extrair algo e se relacionar, de alguma forma, com o estresse da Danielle. Ela tá lá, presa entre várias influências, tentando achar a sua própria voz naquele “microcosmo”, com tanta gente tentando decidir o futuro dela por ela. Mesmo que você não planeje fazer algo tão pessoal nos próximos anos (risos), o que você espera inspirar contando histórias que são tão íntimas e fáceis de se relacionar?

Emma: Eu acho que só tentei mostrar que os sentimentos que eu senti são universais, e quis principalmente que jovens mulheres pudessem se ver na tela, que elas pudessem se sentir aliviadas e perceber que não estão sozinhas nesse sentido. Que muitas de nós temos esses sentimentos. Para que assim elas pudessem externalizar esses conflitos, colocar eles na tela, porque parece algo tão interno. Na minha cabeça, na verdade, o filme inclusive parecia ser um terror (risos), e fosse para elas se sentirem menos estressadas ou menos sozinhas, eu queria muito que o filme pudesse servir como um espaço para qualquer tipo de obstáculo que estivessem enfrentando naquele momento. Acho que essa era a minha intenção.

Davi: Tem alguns trechos que realmente lembram um filme de terror. A trilha-sonora, Meu Deus! É tão angustiante, é surreal!(risos). Mas acho que chegamos a minha última pergunta: eu soube que “Shiva Baby” está sendo adaptado para uma série da HBO e que seu próximo filme, “Bottoms”, também já está sendo preparado. O que você espera construir nos seus próximos projetos? Que tipo de histórias, gêneros, você está ansiosa para explorar nos próximos anos?

Emma: Bem, esses dois são comédias, então por enquanto eu só espero continuar colocando mensagens em obras que divirtam as pessoas. Eu não sei, estou aberta aos mais diversos tipos de histórias, e provavelmente eu vou seguir achando alguma continuidade entre elas. No caso desses projetos, os dois ainda vão tratar, mesmo que de maneira diferente, questões sexuais e de insegurança, então eu acho que vou manter a intenção que eu tive com “Shiva”.

Davi: Eu acho isso muito interessante, e inclusive percebo que muitos dos meus diretores favoritos, por exemplo, tão sempre abordando os mesmos temas, os mesmos assuntos, de formas diferentes. Não importa o que eles façam, eles nunca se distanciam de suas intenções originais, e é isso o que define o estilo, a assinatura deles. Com “Shiva Baby” já é possível perceber seu estilo logo de cara e estou muito empolgado pra assistir os seus próximos projetos.

Emma: Muito, muito obrigado! Significa muito! Toda a sorte do mundo com seus filmes e sua carreira!

Davi: Bem, mais uma vez, muito obrigado por estar aqui hoje! Sua disposição significou muito pra mim, e tenho certeza de que se eu, um garoto judeu com vários questionamentos, senti que tive uma oportunidade única de conversar com você, mal imagino o efeito que a sua intenção, como você mencionou, teve! Espero que quem quer que leia essa entrevista se sinta tão inspirado quanto eu! (risos).

Emma: Isso significa muito, de verdade mesmo! Se sinta livre para pedir conselhos sempre que precisar! Boa sorte com seu curso!

Davi: Muito obrigado! Tchau!

Emma: Tchau tchau!

O filme está disponível desde o dia 11 na plataforma de streaming “Mubi”, então não deixe de conferir!