Na próxima sexta (14), às 22h, Cineclube Cortina exibe cinco curtas universitários durante a festa “Minha ficção é você”
O cinema universitário é uma das fontes mais valiosas de produção cinematográfica contemporânea no Brasil. A cada ano, centenas de filmes saem das faculdades de cinema, mas poucos deles têm a sobrevida que gostariam aqueles que deram muito de seu tempo e dinheiro para materializar o sonho em filme. Daí a importância de iniciativas que ocupam espaços – sejam eles físicos ou online – para exibir esses filmes, cuidadosamente arquitetados por uma nova geração de cineastas brasileiros.
O ano passado foi marcado por novos projetos nesse sentido, como os Estranhos Encontros (que não se limita ao cinema universitário, mas se nutriu dele em várias de suas sessões) e o Festival Mosaico. Neste junho, o Cineclube Cortina abre sua pista de dança-cinema para a exibição de cinco filmes produzidos por alunos da FAAP. Assistir a esses filmes é não apenas prestigiar a arte de uma nova geração de cinema brasileiro, que nasce no período terrível entre o desmonte bolsonarista e a pandemia, mas pensar a viabilidade de seus modos de produção. Quem está fazendo os filmes universitários que passam nos festivais mundo afora e que relação eles guardam com os modos como o cinema brasileiro que apreciamos hoje, da Belair à Filmes de Plástico, aproveitou ou desaproveitou o dinheiro que chegou até ele?
A festa de exibição faz parte dessa questão – integra a campanha de financiamento do curta “Um Filme de Ficção”, trabalho de conclusão de curso dirigido por Fernando Oikawa, também graduando em cinema pela FAAP. Se os shows que vão agitar a noite no Cineclube não foram o bastante para convencer o leitor a comprar os ingressos para a festa, talvez saber mais sobre os filmes que serão exibidos ajude. Leia um pouco sobre os cinco curtas que serão exibidos na próxima sexta abaixo. Ingressos disponíveis no Sympla.
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Dirigido por Milena Décourt, “Quem sabe?” ocupa seus cinco minutos de duração com ternura. Recortando perfeitamente o coming of age nos minutos que precedem o primeiro beijo de dois jovens, o filme é delicado ao atentar-se aos detalhes – em cada corte, movimento e objeto que cerca os personagens – para criar a magia infantil que envolve o jardim onde se desenrola a conversa entre Caio e Laura. A originalidade na representação de um momento tão universal rendeu ao curta uma indicação na 21a edição do Festival Internacional de Cinema Infantil.
Também marcado por um amor ingênuo – mas, dessa vez, pelo próprio cinema – é “Último Cineclube”, curta inédito de Luca Scupino. Construíndo suas bases inteiramente no amor por cinema, tomando-o como tema, como linguagem e como forma, o filme usa de gêneros consolidados em sua história – o filme policial, a distopia totalitária, a ficção de resistência à ditadura militar – e de referências diretas para construir uma narrativa leve e bem-humorada que não deixa de refletir com potência sobre as crises que o meio enfrenta hoje. Com o amor pelo cinema, vem também a melancolia que inspira até mesmo nos tons azulados do curta para pensar a crise da mídia física que transforma a memória dos amantes e amadores do cinema em vinagre. Das tentativas de apagamento, destacam-se as formas de resistência – ver, fazer e exibir filmes sempre.
O também inédito “Cosmos”, de Clara Klaus, também reflete sobre as crises de uma juventude brasileira. Entre os campos em que sua família cultiva tradições no interior e o apartamento na cidade grande, Laura se divide entre uma herança religiosa e uma vida de liberdade e independência. Entre as imagens fugazes dos dois mundos, algo fantástico se materializa como elemento comum.
No “Sobe e desce” de Teodoro Pimenta, uma ascensorista acompanha a perseguição de dois revolucionários marxistas por dois generais da ditadura militar. Embalada pela trilha divertidíssima de Gabriel Speed, a comédia aproveita dos diálogos para ser crítica à ditadura e dos silêncios da ascensorista, que não pronuncia palavra alguma enquanto acompanha os absurdos que sobem e descem os andares do prédio, para brincar com as imagens. Com humor propriamente brasileiro, erótico e despretensioso, o filme é uma espécie de caricatura do cinema nacional, que diverte em seu amadorismo.
Por fim, será exibido “Solos”, curta-metragem de Pedro Vargas exibido no Festival de Cannes de 2023. O trabalho de conclusão de curso do ex-aluno da FAAP virou notícia no ano passado, ao representar o Brasil na Competição Oficial da mostra La Cinef de Cannes. Usando de um fantástico sonoro próprio dos filmes de Apichatpong, o filme reflete sobre os modos em que empreendimentos criminosos assolam as florestas nativas e massacram povos indígenas no Brasil. Versando sobre ancestralidade e futuro entre o mundo natural e as construções que tomam conta da cidade de São Paulo, “Solos” alterna imagens digitais e analógicas para expressar a incerteza do tempo e do espaço em que vivemos.