O Erotismo Provinciano de Un Prince | 47ª Mostra

Pierre Creton faz um cinema naturalista composto de encontros de corpos orgânicos em constante busca pelo toque 

Pedro A. Vidal

Ma jeunesse fout le camp.

Françoise Hardy

A jardinagem é uma arte que demanda pela paciência, que, a depender do esmero, origina uma composição paisagística singular. Un Prince, de Pierre Creton – revelação no Festival de Cannes desse ano e exibido na 47ª Mostra de São Paulo – é um filme que segue esse princípio. Através das paisagens bucólicas, Creton faz um cinema naturalista composto de encontros: situado na área rural da Normandia, o filme introduz uma família que passa pelos azedumes de classes francesas desfavorecidas. Pierre-Joseph é filho de uma taxidermista e um açougueiro, sua família lê romances norte-americanos baratos e toma sopa todas as noites, seu desejo é se tornar jardineiro.

Na sua busca por conexão com a terra, Pierre-Joseph faz suas primeiras descobertas sexuais e Un Prince se confirma como um filme do encontro a partir do naturalismo. A começar por um primo que o leva à caça pelos prazeres da carne, Pierre-Joseph seduz pelo olhar homens mais velhos, apicultores, viveiristas, professores, bissexuais ou não, que fazem amor com ele sem mudar o curso de sua existência, mas marcam sua juventude para sempre. Por mais exageradas que possam ser essas descrições, o filme é bastante alusivo ao expressar o desejo sexual, ainda que não deixe de ser excitante, e confirma a tendência de que o futuro do cinema contemporâneo se dará pelo silêncio

Um Prince fica nesse campo do sexo sem mostrar o sexo, o que fortifica a percepção de memórias compartilhadas da sexualidade através do perfume e da sujeira da relva. Nesse sentido, a memória sexual é tanto a da libertinagem da juventude quanto das repressões da maturidade. Essa percepção é brilhantemente ilustrada por uma das elipses mais intimistas dos últimos tempos: o jovem Pierre-Joseph se deita com um amante e em um corte seco acorda com o mesmo amante já na fase adulta. Em retrospecto, o filme entra em um misto de orgulho e contemplação, de colocar suas memórias do passado em evidência enquanto busca por clarividência no presente. Algo se assemelha até mesmo com um filme pastoral, na mesma busca pela fé do Diário de Um Pároco de Aldeia, de Robert Bresson.

A escolha pelo pouquíssimo uso de diálogos diretos e a exploração do voice over se dá pela grande capacidade de Creton de contar segredos por sussurros. Para que fazer diálogos se os personagens podem conversar diretamente através dessa ambientação, do próprio meio cinematográfico? Compõe uma experiência muito semelhante a de Agnès Varda em La Pointe Courte, em que os personagens igualmente não dialogam entre si, mas sim pelo voice over, em uma abordagem quase documental.

Pierre Creton, aliás, foi realizador ativo de documentários, Un Prince é sua primeira empreitada em um universo quase que totalmente ficcional, pois o filme ainda tem muitos traços documentais, principalmente no que diz respeito ao seu teor observacional. Un Prince é um filme estático, sem movimentos de câmera, que investiga e descobre as vozes emanadas pela natureza. A distância focal do filme é ampliada em ambientes muito abertos, em enquadramentos fechados, aparenta que há um achatamento do universo do filme, como que pela penetração por algo invisível. 

O que é singular no filme é como ele consegue unir tudo isso em uma abordagem absolutamente sóbria, quase severa. Existe a união do romance, do diário, do poema e da autobiografia, em um caráter bastante literário. Em entrevista, Pierre Creton cita Novalis e Georges Bataille — particularmente a obra L’Impossible deste último — como suas principais influências no desenvolvimento do filme. 

Essa fragmentação do estilo é também muito presente na sua forma, em que pela exploração dos meios, do vídeo e da película, a relação retratada com a natureza torna-se muito mais íntima. Aliados à ambiência sonora minimalista e a trilha sonora barroca de Jozef van Wissem, também compositor de Only Lovers Left Alive, o som acompanha a experimentação diegética plural pelo naturalismo de Un Prince

Apesar dos belíssimos jardins, nem tudo são flores no filme. Apesar da pluralidade de meios e formatos que o rendem frutos maduros, algumas de suas procuras são menos interessantes que outras e Un Prince se torna sóbrio demais para seu espírito às vezes fantástico. Nesses momentos, sentimos falta da conjunção de lembranças corpóreas em seus jardins e de todo o estudo de uma sexualidade compartilhada pelos personagens no ambiente bucólico. Que ainda assim acaba caindo em uma certa casualidade pela grande quantidade de personagens e até mesmo pela repetição de encontros nesse clima de erotismo provinciano.

Ainda assim, o filme não está perto de ser condenado por algumas maçãs podres, Un Prince é um filme revelador no que diz respeito às temáticas LGBTQ+ no cinema contemporâneo e Pierre Creton um cineasta-ator-jardineiro singular. Não é à toa que o filme rendeu ao realizador o prêmio de melhor filme de língua francesa na Quinzaine des Réalisateurs no Festival de Cannes. É um filme que evidencia que ainda há muito a ser explorado em um cinema simples de encontros de indivíduos.