Pavements é o filme perfeito para a banda mais interessante dos anos 90

O documentário dirigido por Alex Ross Perry mistura ficção, realidade e hiper-realidade numa salada que pode agradar e fazer rir até quem não conhece o Pavement

Eduardo Lima

“1999: A Banda Mais Importante e Influente do Mundo, Pavement, acabou, e ninguém ligou muito.” Assim começa Pavements, o documentário experimental de Alex Ross Perry que mistura ficção, realidade e hiper-realidade para falar da melhor banda dos anos 1990. Melhor, é claro, para a meia dúzia de fãs leais que os seguia na época ou que segue ainda hoje, feliz de assistir ao show dos norte-americanos no C6 Fest deste ano, em São Paulo, ou de encher meia sala da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo para assistir ao filme da banda.

Pavement não é, sob qualquer métrica objetiva, a banda mais importante e influente do mundo, e eles sabem disso. Mas é difícil não ver como eles envelheceram muito melhor que todos os seus contemporâneos de indie rock do fim do século XX. A banda liderada pelo compositor Stephen Malkmus foi uma das maiores influências para qualquer nova banda no cenário alternativo dos últimos 30 anos. O som distorcido e melódico, blasé-que-toca-no-coração, não é datado como o grunge do começo da década ou o nu-metal que veio logo depois. É tão atual, na verdade, que a banda finalmente conseguiu seu primeiro hit de ouro em 2024 com Harness Your Hopes, um b-side que encontrou segunda vida graças ao algoritmo do Spotify e às trends do TikTok.

Esse retorno aos holofotes algorítmicos motivou a banda a se reencontrar para uma turnê em 2022, 12 anos depois do último show juntos e 23 anos depois do final oficial do grupo. O filme de Perry acompanha os ensaios para a turnê, alguns shows e três projetos especiais que vão acompanhar a volta do Pavement aos palcos: um musical, uma biopic hollywoodiana e um museu.

O musical realmente aconteceu, a biopic realmente foi filmada e a exposição sobre o Pavement realmente foi montada em Nova York. Mas “real” aqui é questionável: todos esses eventos foram criados para serem filmados para o documentário. 

Isso não quer dizer que os eventos sejam menos do que são. O musical exigiu meses de ensaio para transformar as músicas de slacker do Pavement em material digno de Broadway. A biopic envolveu atores famosos de Hollywood, como Joe Keery, Jason Schwartzman e Nat Wolff, para fazer um pastiche do pastiche de filmes como Bohemian Rhapsody. O museu parece uma pegadinha absurda até você perceber que tudo que está exposto é real – mesmo que só para o filme. A emoção dos integrantes da banda não mente: “Eu achei que era falso. É tudo real”, fala Steve West, baterista do Pavement, meio marejado.

As muitas camadas de metalinguagem fazem de Pavements o filme perfeito para o Pavement. Eu vi pessoas que não conheciam a banda gargalhando com as tiradas de Perry, que entendeu e usou o humor que faz uma música do Pavement continuar engraçada 30 anos depois. Numa época em que o rock queria ser levado a sério, a banda mostrava que nunca foi tão sério assim. O filme entende isso, e mostra para os fãs que, mesmo que eles amem o Pavement e digam que é a melhor banda depois dos Beatles, nunca vai ser tão sério assim.

A mistura de diversos segmentos não cansa porque o trabalho de edição de Robert Greene é excelente. Cada seção tem seus trunfos. O musical mostra a qualidade das composições de Malkmus, sempre irônicas, que conseguem funcionar na mais sincera das formas. O museu serve para mostrar a conexão do público com a banda, incluindo artistas que hoje ocupam a cena indie, como Soccer Mommy e Snail Mail. A biopic, que rende os momentos mais engraçados de Pavements – Keery virando um ator de método para interpretar Malkmus é uma piada fantástica que corre pelo filme todo –, tira sarro do modo como filmes sobre música são feitos e mostra uma possibilidade melhor e mais interessante.

Pavements agrada os fãs mais leais da banda, mas não só: eu vi céticos saindo convertidos da sessão na Cinemateca Brasileira. Um verdadeiro milagre do rock’n’roll. O trunfo do documentário de Perry é conhecer muito bem seu objeto, e amá-lo a ponto de tirar sarro com ele. O filme funciona não porque é uma ótima obra sobre música, e sim porque é sobre o Pavement. Não funcionaria para nenhuma outra banda. Mas, como fã que sou, não consigo mentir e nem ser objetivo (nesse caso e nesse filme, talvez sejam a mesma coisa): não existe banda como o Pavement.

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