Esta é a quarta entrada do diário de produção do curta-metragem Quero-quero, dirigido por Mauricio Abbade. Leia os relatos anteriores do diretor aqui.
02 de junho
Hoje foi a primeira diária de filmagem. Além da viagem de mais de 500 km, filmamos por mais ou menos seis horas. Foi melhor do que eu achei que seria.
É engraçada a posição do diretor de primeiras viagens: você parece não saber nada ao mesmo tempo que todos estão te perguntando e esperando pelas respostas. Uma posição que te pede uma certa confiança, mesmo que você não tenha quase nenhuma.
É bonito começar.
03 de junho
Na segunda diária, pareciamos estar sempre com pressa. Pensando mais na cena seguinte do que na anterior e gravando uma quantidade exagerada de planos.
04 de junho
Tenho tido pouco tempo para escrever sobre os dias de filmagem enquanto vivo a correria deles.
Hoje, mudamos e improvisamos completamente uma das cenas. Penso ser legal improvisar, testar, experimentar. Um roteiro é, principalmente, um guia antes de ser um manual de instruções. Roteiro este que parece estar sempre em processo de morte, das suas ideias e expectativas. Tenho achado difícil não deixar o que ele está me pedindo: morrer. Fico tentando não me agarrar em convicções, – mesmo que algumas delas já tenham sido perdidas há semanas, ainda na pré-produção.
Enquanto a filmagem é a morte do roteiro, a montagem parece ser a morte da filmagem. A morte da morte. “Como filmar aquilo que a gente sabe que já vai morrer?” é a pergunta que meu amigo Pedro Ramos sempre levanta.
05 de junho
Mesmo aos trancos e barrancos (e pelo incrível que pareça), conseguimos filmar. A última diária foi hoje.
Curiosamente, passei os últimos dias vendo animais dos mais variados. Tucanos, gaviões, lebres, aves e insetos. Por acreditar que quando se faz um filme evoca-se os sentimentos e situações do filme, gosto de pensar que não foi por acaso. Foi mágica.
Ainda há muito que se fazer. Editar e montar o curta é toda uma outra etapa, mas tenho estado feliz. Grato principalmente pelas pessoas que estão nessa comigo.
É um filme que passou por mudanças e diversas mortes, com uma versão final de roteiro muito diferente da versão inicial; com uma filmagem muito diferente da idealizada lá atrás. Mas acho que é sobre isso também quando dizem dos filmes que levam a gente para frente. Eles levam a gente para frente pois parecem se levar para a frente sempre sozinhos, sempre próprios, sempre sabendo mais do que aqueles que o realizam.
Como foi bom filmar onde cresci: olhar para trás e enfim olhar para frente; observar o chão e o céu. Mesmo rodeado por fantasmas, cinema é bom demais.
Mauricio Abbade é diretor, montador e assistente de direção. Formado em jornalismo e cinema, já dirigiu três curta-metragens: “Atravessaria a cidade toda de bicicleta só pra te ver dançar” (2023), “De curitiba, dá pra se ver o espaço sideral” (2023) e “Gengivites” (2024).
Sinopse do filme “Quero-quero”: No último ano do ensino médio, o que Ribeiro quer mais fazer é contar aquilo que ele não consegue. Assombrado pela terra vermelha e por pássaros que levam em seu nome a palavra “desejo”, o que resta para Ribeiro é colocar fogo em gaiolas de hamster ao lado de seu amigo.