Trazendo o título “As Formas do Tempo”, o festival nacional retoma o seu importante papel como vitrine da cena do cinema brasileiro independente contemporâneo, apostando em diversas maneiras de abordar a temporalidade nas telas
Davi Krasilchik
Por detrás das cortinas pretas da tenda de exibição, quase trinta décadas de uma parte da história de Tiradentes nos aguardavam. A ansiedade de entrar na nova “Cine-tenda”, marca registrada da Mostra de Cinema de Tiradentes, foi logo convertida na emoção de se poder, por mais um ano, acompanhar de perto um panorama da cena do cinema brasileiro contemporâneo.
Sob a temática As Formas do Tempo, a 27a edição do importante festival nacional se propõe as destrinchar o último em múltiplas abordagens, seja em uma análise mais direta de sua expressão na natureza brasileira, ou por reflexos mais subjetivos de obras que se inclinam para formatos mais experimentais. A cerimônia de abertura contou com uma apresentação de luzes, imagens e músicas, na tentativa de inserir o espectador em um espaço sensorial que brincava com a fluidez por entre o tempo e o espaço.
Experimentações como essa, de antecipação do que podemos esperar, talvez, dos filmes mais lúdicos dessa leva de exibições, estiveram acompanhadas de discursos de reafirmação da importância do cinema nacional. Chamou a atenção, especialmente, a fala da Secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, que colocou o cinema como uma paixão eterna sua – “a sua cachaça” – e comentou sobre a sua relação com os dois homenageados dessa edição, o diretor André Novais Oliveira e a atriz Bárbara Colen.
Com relação aos dois, foi bonito testemunhar, principalmente, como o início de ambas as carreiras se deu de forma quase concomitante, sendo a primeira atuação de Bárbara presente no filme Contagem (2010), que André produziu através do seu coletivo, a “Filmes de Plástico”, ajudando o seu amigo e diretor Gabriel Martins. A dupla recebeu os primeiros troféus Barraco da semana, e falou sobre a emoção que era estarem ali como figuras negras que, se inicialmente – como é o caso da atriz, formada em Direito –, não acreditaram um dia chegar naquele palco, sempre souberam que o cinema os atrairia de uma forma ou de outra.
“Um professor meu dizia que, pra fazer cinema brasileiro, a gente tinha que assistir muito filme brasileiro”, Novais lembrou pouco antes da pré estreia de seus mais recentes projetos, o média iniciado a mais de dois anos, co-dirigido com o cineasta paulistano, Lincoln Péricles, Roubar Um Plano (2024), e o curta gravado ao longo de uma semana, baseado na história em quadrinhos Aqui (1989), de Richard McGuire, Quando Aqui (2024).
Os dois projetos exploram uma interessante relação entre a montagem, a composição e o trafegar do plano imagético através de sua duração, brincando com a permanência de alguns fatores comuns entre passado, presente e futuro. Eles finalizaram a cerimônia gerando uma grande curiosidade para se acompanhar o que está por vir nessa edição, que reúne 145 filmes, entre longas, médias e curtas-metragens. Uma marca contínua, renovada a praticamente trinta anos, de que o nosso cinema não precisa ficar no sonho, e é capaz de inspirar muitos outros.