O filme de Dziga Vertov lançado em 1929 buscou inovar falando do mais simples
Por Paola Orlovas*
Dziga Vertov (1896–1954), diretor de Um homem com uma Câmera (1929) e figura importante do cinema soviético, tinha como objetivo claro trazer o real em sua forma mais pura para dentro de seus filmes, utilizando de regras vindas do conceito de Kino-Glaz (Cine-olho), criado por ele.
A ideia do Cine-olho vinha do comprometimento do diretor com a verdade, e era baseada na recusa de imagens carregadas de simbolismo ou planejadas. Vertov queria registrar cenas reais, se distanciando também de montagens artificiais, fugas do contexto onde o material foi captado ou encenamentos.
É a partir desta ótica, e pouco tempo depois da Kino-Pravda (Cinema-verdade) — série de filmes que foram captados quase como um serviço de amostra histórica da vivência soviética — que surgiu Um homem com uma Câmera (1929), um filme sem enredo, mas com uma temática específica: a vida urbana da população das cidades de Moscou, na Rússia, e Kyiv e Odessa, na Ucrânia.
O filme abre da seguinte forma:
“Este filme apresenta uma experiência na comunicação cinemática de eventos visíveis, sem a ajuda de intertítulos, sem a ajuda de um cenário, sem a ajuda de teatro (um filme sem cenários, atores, etc). Esse trabalho experimental objetiva criar uma linguagem absoluta verdadeiramente internacional do cinema baseada na sua total separação da linguagem do teatro, da literatura.”
Produzido pela Administração Ucraniana do Filme e Fotografia (VUKFU) e contando com quatro partes, o longa busca trazer para o espectador, de forma documental, a vida nas ruas soviéticas, recorrendo ao dia a dia do homem comum, que vivia em meio a urbanização.
No filme, Vertov cria um espelho humanizado da cidade, que, para ele, refletiria o que poderia ser visto em qualquer uma das grandes cidades soviéticas. Esse reflexo se dá por meio das cenas retratadas, que embora sejam frutos de experimentação, são usuais no sentido de que podem ser encontradas fora das telas, e em nossas vidas urbanas.
Com isso, esse espelho humanizado reflete uma cidade e uma civilização soviética agora modernizada, o que é visto não apenas na escolha das cidades, mas também no imagético que o diretor busca criar com as máquinas que aparecem dentro do filme, algo novo no contexto da Rússia e da Ucrânia, países que foram altamente agrários e que, naquele contexto, haviam se industrializado há pouco tempo.
Outro ponto que fica claro é que para além da câmera, os personagens não são os cidadãos, mas sim as cidades. O homem toma um papel secundário para que os ritmos, dinâmicas e as paisagens urbanas possam brilhar em um novo cenário, carregado da esperança na vida dentro da cidade, cheia de atividade e de multidões, sem tomar tempo para parar.
Um homem com uma Câmera (1929), também surge em meio a outros filmes sobre cidades e a urbanização que estavam sendo produzidos ao final da década de 1930, mas conseguiu se diferenciar por meio de um esforço quase jornalístico, combinado com uma ausência de narrativa e de encenamento, que gerou uma mensagem concisa do que era o urbano soviético.
O caráter sociológico e documental do filme não se dá à toa, afinal, Dziga Vertov se aproximou constantemente do papel de comunicador durante sua carreira, e estava próximo da Comunicação, tendo começado sua trajetória como redator e montador do primeiro cinejornal de Atualidades da URSS, KINONEDELIA (Cinema Semana), o que não deixaria de marcar a sua obra.
Com essa produção, Dziga Vertov eternizou imagens comuns, mas que na época eram novas e inovadoras. Seu filme, criado a partir de conceitos únicos de montagem, diz, sem palavras, sem atuações e de forma espontânea, o que era viver dentro do urbano soviético, por meio de sua forma singular de enxergar o cinema e o mundo.
*Sobre a autora: Paola Orlovas é a idealizadora da Revista Vertovina. Estuda Comunicação Social com habilitação em Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, onde foi bolsista de Iniciação Científica e integra o Grupo de Pesquisa Comunicação, Cultura e Visualidades. Se interessa por estudos dentro dos campos da Imagem, da Estética e da História da Cultura, com foco em vanguardas artísticas do século XX, fotografia e União Soviética.
Referências:
RIBEIRO, José da Silva. Homem da Câmera de Filmar: o cinema ou uma história do cotidiano? Revista Galáxia, São Paulo, n. 11, p. 37–55, jun. 2006.
AZAMBUJA, Tereza. Construindo a cidade: Vertov, construtivismo e a representação da metrópole. Revista Extensão em Debate, Alagoas, 2014
COSTA, M.; BARBOSA, S. H. V. Um Homem com uma Câmera: o silêncio como imagem complexa no cinema de Dziga Vertov. Rio de Janeiro, 2015.