O filme de Herk Harvey traz a possibilidade de leituras sob as lentes da psicologia ou da teologia, Carnival of Souls utiliza do terror para refletir sobre questões da realidade.
Por Malu Bolanho*
O filme “Carnival of Souls” de 1962, dirigido por Herk Harvey e escrito por John Clifford, se tornou um clássico de terror cult independente. A sensação de desorientação e perseguição ultrapassa a tela e gera ansiedade no espectador do começo ao fim. O curta começa sem introdução e conta a história de Mary Henry (Candace Hilligoss), única sobrevivente de um acidente fatal de carro. Após o acidente, a jovem se sente desconectada da realidade e tenta escapar disso se mudando para Utah para trabalhar como organista de uma igreja, onde se sente estranhamente cativada por um parque de diversões abandonado.
A fuga do passado se torna a fuga da morte quando a personagem começa a ter visões de um homem-zumbi, interpretado pelo diretor do filme. Carnival of Souls pode ser lido através de um lado teológico ou psicológico: estaria Mary tendo um contato com o mundo espiritual ou sofrendo alucinações?
De qualquer forma, a realidade se torna distante e assustadora, o terror desse filme pode ser lido como meio de descrever transtornos psicológicos como a depressão, ansiedade e dissociação. Mary não sente que pertence a esse mundo e isso é um purgatório em vida.
Além disso, há um medo constante de estar sozinha, seja por causa do vazio que sente ou pelas visões do homem morto-vivo. Isso leva a personagem a uma companhia não tão agradável, seu vizinho de apartamento, John Linder (Sidney L. Berger). Essa figura masculina representa uma ameaça para a jovem sozinha, pois ele não mede esforços para tentar seduzi-la. Mesmo sendo invasivo, Mary prefere a presença de John do que a solidão e encarar sua própria existência.
Com 3 semanas de gravação e um orçamento baixo, esse clássico é um pesadelo semilúcido. O espectador acompanha a história sem grande explicação do que está acontecendo diante dos seus olhos, e isso é comparável com a situação da personagem principal, ocasionando uma aura quase surrealista na produção.
O destaque desse filme é a construção espetacular da atmosfera. Com planos simples, cenários de uma igreja e um parque abandonado e o som do órgão, que acompanha a trilha sonora do filme, é moldado um clima de terror com toques de religião e do mundo espiritual.
A trama traz reflexões em torno de questões psíquicas e sexuais, podendo representar a mudança geracional da década de 50 para a década de 60, momento em que esses tabus passam a ser mais discutidos na sociedade.
A dança dos mortos, dos vivos e de Mary, que se encontra nesse meio termo, resulta em um filme muito rico, tanto por sua cinematografia quanto pelas análises possibilitadas pela trama.
Referências: https://www.taylorfrancis.com/chapters/edit/10.4324/9780203860311-7/carnival-souls-organs-horror-julie-brown
http://www.revistas.fw.uri.br/index.php/literaturaemdebate/article/view/1627
http://www.asaeca.org/aactas/barrenha__natalia_-_ponencia.pdf
https://www.youtube.com/watch?v=XAQTEgKw2fM
*Sobre a autora: Estudante de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, se interessa pelas intersecções entre os campos das Ciências Humanas e estudar processos de expressão cultural por meio da arte. É Diretora Interna e Colaborada da Razcon. O cinema sempre foi algo muito importante por causa do contato com novas realidades e percepções que ele traz. Considera a Vertovina um espaço essencial para a reflexão dos leitores sobre as nuances do cinema e seu papel artístico, social e político.