Por Carolina Azevedo
Falar dos sobreviventes da década de 1960 é falar “da ambiguidade de pertencer a uma geração desconfiada de arroubos políticos, a irrelevância histórica de crescer convencida de que o coração das trevas se encontra não em algum erro da organização social, mas no próprio sangue dos homens.” É falar de Joan Didion, de Jane Birkin, da UCLA, dos The Doors, de Andy Warhol, de jovens usando uma quantidade obscena de drogas e pregando o amor livre e de mulheres brancas tentando fazer história aparecendo nuas nos filmes de homens terríveis.
“O mundo era imperfeito por definição,” e cada um procurava de forma ou de outra achar uma forma de “escapar do pessoal, de mascarar durante algum tempo aquele pavor da ausência de sentido que era o destino do homem.” A juventude estava perdida, montando barricadas e fechando universidades. Aqueles que não estavam pegando em armas e usando ácido estavam fazendo música de protesto e cinema experimental.
A juventude americana estava ocupada demais se engajando ou se alienando, incansavelmente lutando ou negando a necessidade de ação qualquer, mas esses mistérios peculiares e íntimos que formaram a geração não deixaram de ser retratados pela emergente sétima arte. Zabriskie Point de Michelangelo Antonioni, Lions Love de Agnès Varda e The Trip de Roger Corman são apenas alguns dos filmes que contam a história da perdida juventude californiana.
Os jovens revolucionários de Antonioni eram aqueles que, descontentes com as velhas regras e valores tradicionais, acreditavam ter a capacidade de solucionar os problemas sociais com suas próprias mãos. Eram filhos e filhas de um tempo em que não mudava apenas a relação entre o jovem adulto e as estruturas sociais mas também aquela entre os indivíduos. Antonioni diz que pretendia mostrar com seu filme certa disposição de espírito da juventude americana, não o momento social ou as ações de cada um mas as experiências individuais dos dois sujeitos.
Similarmente, o clássico Two-Lane Blacktop de Monte Hellman e James Taylor traça a história de três jovens que, em um mundo de incertezas e efemérides, apenas querem dirigir por aí. Além da polêmica sátira da cultura pop e do modo de vida da Hollywood sessentista que Varda constrói ao redor da vida dos três libertinos de Lions Love. Sem trama muito interessante ou acontecimentos marcantes, os três filmes tratam da vida pessoal do jovem norte-americano da década de 1960, uma vida marcada por incertezas que sempre têm como pano de fundo o contexto sócio-histórico que viviam, o que faz os filmes da época quase sempre filmes políticos, mesmo quando não falam explicitamente sobre a política.
Joan Didion dizia que todas aquelas imagens e ações que a juventude californiana insistia em evocar, destruindo campus de universidades e implorando pela atenção dos chefes de Estado, não passavam de imagens pessoais, uma busca coletiva pela paz individual. Eles “acreditavam que ir a uma barricada ia afetar o destino do homem ainda que de forma mínima,” e por isso iam a essas barricadas. Mas espíritos mais sóbrios como Didion sabiam que não era dali que viria o final feliz de cada um daqueles jovens, e foi na estrada entre o cinismo pessimista e a esperança enganada que a juventude se perdeu.
Então chegamos aos dias de hoje, rodeados de estreias anuais que contam histórias de uma juventude sessentista que evoca nostalgia em todos aqueles que passaram longe do período. Almost Famous, Once Upon a Time in Hollywood e o mais novo e adorado lançamento, Licorice Pizza são alguns exemplos, sempre mostrando uma juventude otimista e cheia de si.
A década de 1960 parece atrair histórias de coming of age, o crescimento e a evolução do caráter atrelados a um momento de mudança e inquietação. Parece que a década nunca acabou, sempre volta e parece próxima demais de nós que vivemos mais de 60 anos depois. Ainda nos identificamos com aqueles jovens perdidos em uma individualidade quase coletiva, com histórias sem narrativa, com Bob Dylan e Joni Mitchell, e os autores e cineastas continuam retratando a longínqua juventude revolucionária californiana.
Joan Didion dizia “eu escrevo inteiramente para descobrir o que penso, o que vejo, o que observo e o que isso significa. O que eu quero e o que eu temo.” Em filmes como Zabriskie Point e Two Lane Blacktop, cineastas observavam o mundo em que viviam e tentavam entendê-lo por trás de suas câmeras. Eram jovens como aqueles retratados nos filmes, mostravam um momento histórico que certamente não entendiam como entendemos hoje, e por isso segue sendo revisitado tão frequentemente. Paul Thomas Anderson e Cameron Crowe, assim como Joan Didion, revisitam para entender, e o espírito livre da juventude sessentista continua acordando dentro de nós.
Referências:
SANTOS, Carlos Vinícius Silva; Movimento Estudantil Americano no Cinema: Zabriskie Point, In. Revista Tempo Amazônico V. 3, N. 2, jan-jun 2016
DIDION, Joan; O Álbum Branco, tradução Camila Von Heldefer; Duque de Caxias, RJ; Harper Collins, Brasil, 2021
Manohla Dargis; ‘Licorice Pizza’ Review: California Dreaming and Scheming; The New York Times, 25/11/2021