A Nightmare on Elm Street e o terror inocente da juventude

Como Freddy Krueger usou de suas garras para perfurar os sonhos ingênuos de uma geração

Por Lucas Cavalcanti*

Escrito e dirigido por Wes Craven, em 1984 chegava aos cinemas A Nightmare on Elm Street, filme que revolucionaria o subgênero slasher, traria a imagem de Freddy Krueger ao imaginário popular e faria o público pensar duas vezes antes de dormir ao assistir.

A essa altura, filmes de assassinos mascarados já existiam e eram relativamente conhecidos. Halloween, de John Carpenter, já havia feito o público imaginar Michael Myers em cada canto escuro da casa por pelo menos seis anos. Mas Wes Craven estava determinado a mexer no conceito de assassino de maneira que o público não teria simplesmente medo do escuro, mas sim de dormir. E o pior, o assassino dessa vez não vestiria uma máscara assustadora, mas a sua pele rasgada seria a própria. Juntando isso ao fator do campo de ataque dele ser nada mais do que o mundo abstrato dos sonhos, está mais do que preparado o terreno que faria as flores do terror aflorarem.

Robert Englund no set dando o primeiro sopro de vida ao personagem que marcaria sua carreira.

A direção trabalha junto com a montagem na criação de um ritmo que cria o jogo das impressões da realidade, imergindo o público no real e, ao mesmo tempo, questionando o que é de fato concreto. Isso favorece e engrandece principalmente nas opressivas cenas e sequências de tensão, em que as mortes, por mais simples que possam ser em conceito, são fotografadas e dirigidas de modo que as estilize o suficiente no cenário e na ação de acordo com a necessidade dramática da cena.

A inocência corrompida fotografada com nuance e simbolismo por Jacques Haitkin.

Ainda sobre a direção, ela costura o tom do filme com sua temática de maneira que não se sinta um estranhamento ao abordarem e mostrarem tamanha brutalidade, mas ainda com um quê de ingenuidade da juventude. Talvez nesse sentido, Krueger possa ser até um slasher “camp’’, pois já dito por Susan Sontag “…o Camp baseia-se na inocência. Isto significa que o Camp revela inocência, mas também, quando pode, a corrompe”. E definitivamente, A Nightmare on Elm Street é um filme em que se aborda uma inocência corrompida.

Seria “A Nightmare on Elm Street’’ um slasher camp?

Essa inocência se destaca conceitualmente de forma recorrente: traçando desde as vítimas de Krueger; indo até a atuação levemente adocicada do elenco jovem do filme (quer maior inocência do que Heather Langenkamp armando sua casa com armadilhas a lá Tom e Jerry para pegar o assassino dos sonhos?), as cores quentes dos cenários e figurinos, e até mesmo a cruel ironia de que os pais que mataram Freddy para poupar e vingar a inocência perdida de seus filhos agora são amaldiçoados com a sua presença num campo metafísico anos depois. E acima de tudo, é uma abordagem que usa da sensibilidade de uma maneira sincera.

Muito por isso é que o filme tenha Nancy como uma figura de maior maturidade que os demais, até mais que os adultos. A sina da sua juventude é carregar o erro sem consciência e impulsivo que seus pais fariam anos antes. E mesmo que Nancy tenha a consciência necessária para amarrar a situação emocionalmente, a ponto até de imaginar ter conscientizado o medo de forma racional, já é tarde. Freddy é maior do que a carne ou o espírito, e toda a juventude que a princípio teria sido protegida com o seu assassinato, agora estará fadada a se lembrar eternamente dele.

*Sobre o autor: Nascido e crescido em São Paulo, foi estudar cinema no interior do Paraná (UNILA) através das convenções dramáticas da vida. Desde sempre interessado em arte, ainda se fascina com a potencialidade dela em ilustrar as mais diversas vivências e singularidades no âmbito visual.