Eros (2024): desejo entre quatro paredes

Mostrando histórias de frequentadores de motéis que aceitaram filmar experiências suas, Rachel Ellis discute condições básicas das relações humanas

Davi Krasilchik 

Por detrás das paredes gélidas de quartos à beira de estrada, existem figuras que anseiam por conexão. Conexão sexual, emocional, seja lá qual tipo for. São todos percorridos por desejos nem sempre bem recebidos quando à tona, mas que os humanizam das mais diversas formas. Dedicada a desconstruir o estigma estabelecido ao redor dessa instituição do sexo, Eros (2024) conduz um interessante recorte de experiências vivenciadas em motéis.

Após desenvolver uma pesquisa com frequentadores de motel, a diretora Rachel Daisy Ellis propôs que alguns dos participantes filmassem experiências próprias, sem impor qualquer limite ou direcionamento específico. A única condição para os que aceitaram foi a exploração de algum traço de intimidade, ainda que não necessariamente física. Surgem gravações dos mais diversos tipos, algumas mais explícitas, outras menos, todas naturalizando uma série de necessidades entre um e o outro.

É interessante, por mais óbvia que pareça a constatação, observar como a bagagem de alguns dos personagens interferem na experiência de cada um deles. Existe uma dualidade particularmente curiosa nas vivências dos casais evangélicos, por exemplo. O pós sexo é marcado por discussões sobre a aprovação divina, relativizando ideais de culpa e pecado, e buscando compatibilizar suas crenças com as vontades sexuais. 

Ainda que a direção não pudesse modular como os planos seriam captados, a montagem se destaca na maneira como torna o espectador participante desses debates pessoais. A valorização dos planos abertos reforçam o conceito voyeurístico do projeto – conforme a fala em off da diretora logo ao início, em que ela, filmando a si mesma em um quarto, discorre sobre a curiosidade de descobrir quem seriam os frequentadores vizinhos –, construindo uma aura de observação culposa que nos torna cúmplices dos acontecimentos.

Vale comentar sobre a experimentação junto do público, a reação coletiva ao filme como parte do todo. O riso como mecanismo de defesa surge como uma espécie de catarse coletiva tão compartilhada quanto as buscas daqueles que vemos em tela. Por mais que as cenas explícitas sejam recebidas com um certo choque, a ideia de acompanhar o longa com uma plateia corrobora com a normalização pretendida.

Para além desse âmbito da desconstrução de tabus, questionando a dificuldade de falar sobre assuntos específicos, chama atenção a multiplicidade dos selecionados para o corte final. Sejam os desabafos sobre os preconceito vividos por Fernanda Calção, uma travesti, ou a libertação sexual vivenciada por Marlova Dornelles, uma senhora de mais de sessenta anos, revelam diversas problemáticas intrínsecas ao assunto central. Na repetição de uma mesma estrutura – da entrada no quarto à apresentação dos personagens, do sexo às reflexões na cama –, o filme se converte em espécie de observação antropológica, buscando padrões e diferenças na maneira sexual de se ser.

Resta, assim, esse exercício de busca pelo outro, seja da parte daqueles que analisam ou dos que protagonizam o experimento. É mantido também, dessa maneira, o senso de deslocamento pela performance, acumulando em cima dessas personagens o peso de se adequar a determinados padrões, de esconder aspectos específicos tal como o que todos fazem ali, protegidos pelas paredes do motel.

Ao final, o distanciamento entre o último bloco narrativo e os demais atenta para um eco nessas buscas por conexão mediadas pela vigilância e pela solidão.  Na conclusão, somos entregues ao único registro solo de um participante. Ele lamenta o seu estado e questiona se permanecerá sozinho pelo resto da vida. O filme fecha com essa gravação e nos deixa ali, solitários com nosso próprio consciente. Que desejos buscamos reprimir no dia a dia?

Tudo isso faz de Eros uma interessante análise do desejo humano. Seu viés antropológico compara vivências e revela uma igualdade na busca por paixões físicas e subjetivas. Ficamos com esse manifesto sobre buscas e conexões, remanescentes independente do quão fortes sejam as paredes as enclausurando.

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