O diretor transporta a homenagem à filmes de ação policiais para sua cidade natal numa das paródias mais marcantes dos últimos anos
Por Felipe Parlato*
Hot Fuzz não foi o primeiro projeto de Edgar Wright e do ator e roteirista Simon Pegg a trabalhar com paródias e referências à cultura pop. Shaun of the Dead, o filme que o antecede e que inaugurou a chamada Trilogia de Sangue e Cornetto, já tem o elemento de paródia presente desde o título: uma alusão a Dawn of the Dead, clássico de George A. Romero.
Antes mesmo do primeiro filme de visibilidade global, outros trabalhos de Wright, como o filme de baixo orçamento A Fistful of Fingers e a britcom Spaced prestavam homenagens a obras que o diretor cresceu admirando, Star Wars, Evil Dead e filmes do gênero western. Com o sucesso subsequente de Shaun of the Dead, Wright buscou no seu filme seguinte homenagear outro grande subgênero americano: filmes de ação policiais.
Diferente da maioria dos filmes do gênero, geralmente ambientados em grandes metrópoles, a narrativa joga nosso protagonista, o exemplar policial londrino Nicholas Angel, para Stanford, um típico vilarejo britânico onde todos se conhecem e que é famoso por ter ganhado diversas vezes consecutivas um prêmio de vila com a melhor qualidade de vida. Não demora muito até que Angel, interpretado por Simon Pegg, comece a desconfiar dos acidentes que acontecem ali e vá investigá-los com seu parceiro Danny (Nick Frost), sob ceticismo do resto da delegacia da cidade.
Vale lembrar que se trata de um filme britânico, sob o guarda-chuva da Working Title Films, distribuído pela Universal. Uma das principais produtoras britânicas, os filmes da Working Title costumam ter um denominador comum: apresentar o estilo de vida e humor britânicos para o resto do mundo. A filmagem foi realizada em Wells, no condado de Somerset, cidade natal do diretor, e o elenco é composto apenas de atores britânicos. Somados às piadas sutis e característicos, esses fatores dão ao filme uma veia humorística típica no Reino Unido.
O filme trabalha muito com humor auto-referenciativo. Os diversos locais da cidade que são visitados por Angel na primeira metade, como o bar e o mercado, são palco para a ação no ato final do longa, onde certas falas se repetem, recontextualizadas pelas novas informações que temos a essa altura.
Mas o diferencial da trilogia de Edgar Wright (finalizada com The World’s End) é a maneira como os filmes conciliam tais elementos com as homenagens às produções americanas e de Hong Kong. Diversas referências externas estão presentes: Danny é fã de filmes de ação, e os protagonistas até chegam a assistir Point Break e Bad Boys 2 em um momento. Muitos dos clichês desses filmes ocorrem também em Hot Fuzz, como perseguições de carro e explosões.
A primeira metade do filme é recheada de quebras de expectativa em relação ao que estamos acostumados a ver no trabalho policial. A aparentemente pacata vila não tem muita ação no início, e vemos Angel prendendo adolescentes que estão bebendo no bar e até tentando capturar o ganso de um morador que fugiu. Essa é visão mais realista e “monótona” do trabalho, que conta com pequenas pistas da ação que está por vir no ato final. Em uma cena, vemos Danny no supermercado olhando uma pilha de DVDs, em que em um deles se lê “Get some action!”. A ação não só está por vir, mas de forma semelhante aos clássicos da loja.
Como conta Neil Archer em seu livro Studying Hot Fuzz, o trabalho de Simon Pegg, sobretudo antes do ator contar com participação em grandes blockbusters, criou em torno do ator uma personalidade de fan-star. E quando Angel e seu parceiro Danny fazem um salto atirando com uma pistola em cada mão, com direito à frase “shit just got real” de Bad Boys, fica explícito o porquê.
Hot Fuzz permanece um dos, se não o filme mais aclamado de Edgar Wright. Muito disso foi pelo filme conciliar as referências e homenagens com a autoria que faz da obra do diretor e seus roteiros com Pegg tão marcantes. Resta apreciar a Cornetto Trilogy e esperar o que vem por aí dessa parceria.
*Sobre mim: Felipe Parlato gosta de muitas coisas, uma delas é o cinema. Estuda jornalismo na Cásper Líbero. Enquanto não descobre sua maior paixão, vai se dedicando um pouco a cada uma delas.
Referências:
Archer, Neil — Studying Hot Fuzz