Por Matheus Arroyo
Magnólia:
“Que que eu quero mais
Se eu sei que a vida é bela e linda
Que que eu quero mais
Se eu sei que estou de bem com a vida”
…
Se Jorge Ben Jor, em uma de suas mais belas e conhecidas composições, nos começa dizendo sobre a beleza da vida e como está de bem com ela, no filme homônimo de Paul Thomas Anderson as coisas seguem por caminhos diferentes.
Desde que, ainda crianças, aprendemos a ver as horas no relógio, nossa relação com o tempo muda completamente. Passamos a viver como seus reféns. Podemos correr, nos esconder, na verdade, podemos fazer qualquer coisa para tentarmos evitar a sua ação sobre nós, porém o resultado será sempre o mesmo. Nascemos e vivemos com uma única certeza: um dia o último grão de areia irá cair da ampulheta e nosso tempo se esgotará. Iremos embora.
Não poderia citar um dos maiores da música brasileira e não tentar reproduzir o que mais me chama atenção em algumas de suas canções, que às vezes começam com uma breve divagação. Seja um pequeno diálogo ou uma frase aleatória; somos levados para um caminho inesperado, até que, de repente, a música começa.
Nesse caso, essa sucinta tentativa de divagação tem relação clara com o objeto principal deste texto. Em Magnólia (1999), os personagens não sabem utilizar de seu tempo na terra para fazer boas escolhas e desfrutar de uma vida prazerosa. Pelo contrário, além de serem dominados pelo tempo — assim como todos nós — são escravos de seu próprio cotidiano. Levam uma existência miserável.
Adúlteros, agressivos, viciados, egoístas, invejosos e solitários. Essas são algumas das características dos diversos protagonistas que acompanhamos ao longo do enredo, as quais foram se intensificando ao longo de suas vidas, devido aos variados traumas adquiridos no caminho. Existências problemáticas.
Além dessas informações sobre os personagens, tem apenas mais uma coisa que você precisa saber sobre o longa, caso não o tenha assistido. Respect the cock. É isso. Agora podemos simplesmente pular para o final da obra, o qual realmente é o nosso foco. Se ainda quiser saber mais alguma coisa sobre o filme, que não seja isso, eu tenho um único conselho: assista-o.
Peço perdão caso tenha sido grosseiro. Pensando justamente nisso, creio que seria injusto com quem nunca assistiu Magnólia eu vir aqui e falar sobre o seu final e, possivelmente, estragar a experiência. Tudo bem, vamos fazer de outro jeito.
Suponhamos que você está assistindo a um filme qualquer. Um drama; repleto de encontros, desencontros, problemas (familiares, de saúde e relacionamentos) e xixi na calça. Acompanhamos a história por mais de duas horas. Tudo caminha para um final, de certa forma, feliz. A bela trilha sonora ecoa no fundo, enquanto o desfecho se dá diante de seus olhos. Como espectador, você está até comovido com tudo que acontece. Inesperadamente um barulho rouba a sua atenção. Algo caiu do céu: um sapo.
Um sapo? Um não. Dezenas; centenas; milhares. Quando tudo caminhava para um final convencional, o extraordinário acontece, o qual, nesse caso, é uma verdadeira chuva de sapos. Muitos dos que assistiram Magn… Digo, esse “filme qualquer”, devem ter se perguntado: Mas que por#@ é essa?.
Muitos, mas nem todos. Isso porque sempre existem aqueles que são bastante ligados à religião. Esse é um dos temas mais passionais existentes, inúmeros fiéis conhecem a bíblia e suas passagens de cabo a rabo.
A chuva de sapos pode ser vista por muitos como uma referência à segunda das Dez Pragas do Egito. Passagem bíblica que detalha a infestação de rãs na terra das pirâmides, por conta do faraó não querer libertar o povo hebreu da escravidão. No fim das contas, a tão esperada libertação ocorre, e Deus abre o mar vermelho para que Moisés e Abraão fujam.
Êxodo 8
O Senhor disse outra vez a Moisés: “Vai ter com o Faraó e diz-lhe: O Senhor diz-te que deixes ir o seu povo para que o adore. 2 Se recusares mandará montes de rãs por toda a terra duma extremidade à outra. 3 O rio Nilo ficará tão cheio delas, que até virão às vossas habitações, penetrarão nos quartos e achá-las-ão nas camas. Cada casa no Egito estará repleta de rãs, que virão poluir os fornos e as massadeiras. 4 Tu e o teu povo ficarão mergulhados em rãs.”
Embora o diretor desse tal “filme x” afirme que a passagem bíblica não possui qualquer relação com o seu longa, e que ele soube de sua existência somente após a cena ter sido feita, é inevitável que uma coisa não seja ligada a outra.
Afinal, assim como o povo hebreu, no momento em que a chuva de sapos ocorre no longa, podemos encará-la como uma forma de representação da libertação de nossos personagens, que, como mencionei anteriormente, viviam uma existência miserável. Os anfíbios caindo do céu nos mostram que, durante quase todos da história, estavam desenterrando seus maiores sonhos e se livrando de suas angústias e dramas. Um verdadeiro recomeço.
Não estou dizendo que todas essas coisas ocorrem em Magnólia, e que o diretor mencionado acima é Paul Thomas Anderson. Na verdade, talvez eu esteja. Não sei. Como disse anteriormente, a única maneira de descobrir é assistindo ao filme.