O Competidor (2023) | É Tudo Verdade 2024

Foto: Divulgação/ É Tudo Verdade

Apesar da premissa extremamente curiosa, a tentativa de se associar ao dinamismo da era digital acaba banalizando um documentário em potencial

Davi Krasilchik

Desesperado pela chance de ser famoso, um comediante decide participar de um estranho experimento japonês. Tomoaki Hamatsu aceita viver em um quarto de hotel com nada mais que revistas com possíveis prêmios. O objetivo é sobreviver a partir da aleatoriedade dessas recompensas, podendo talvez conseguir roupas e comida. Quinze meses se passam até a sua liberação, quando ele enfim descobre que o experimento estava sendo transmitido para milhões de pessoas.

Dirigido pela britânica Clair Titey, essa é a premissa do documentário O Competidor (2023), filme que abriu, em São Paulo, o festival É Tudo Verdade 2024. Inserido em um contexto tomado pela dinamização do mundo digital – ainda que os acontecimentos em si tenham ocorrido na virada do milênio –, o filme busca uma associação com linguagens virtuais, apostando em uma montagem de cortes excessivos e de manipulação do material fonte em pós produção.

Ainda que esses recursos estejam vinculados à origem televisiva do reality show exótico, se estabelece uma relação de desconfiança com as próprias imagens. Surgem planos incapazes de falar por si, ineficientes em dar voz a um homem cuja ressignificação se pauta pela tentativa de superar meses de silenciamento. Entregue ao dispositivo de entrevistas diretas, Tomoaki é um dos condutores da produção, resiliente em seu afastamento da experiência que lhe trouxe tantos traumas.

Por mais terapêutico seja esse mecanismo, não demora para que o projeto estabeleça um grau de didatismo, tornando unilateral uma relação ironicamente pautada por uma diversidade de pontos de vista. Seja pelos depoimentos do produtor ganancioso, Toshio Tsuchiya, grande responsável pelo sofrimento do participante, ou pela multiplicidade de texturas sobrepostas – esteja na granulação das tevês de tubo ou na limpidez das câmeras digitais –, o longa flerta com a dilatação de pontos de vista.

Nem por isso essa abordagem acaba bem administrada, diluída pela obviedade dos comentários além da câmera e refém do maniqueísmo imposto pela estrutura participante e produtor. Embora esse revezamento contribua para a sensibilização com o protagonista, acaba inibindo o atravessamento pelo espectador, exposto a dilemas morais bem ambientados na pós-contemporaneidade, mas descompassados de um entorno literalmente erguido pela interação público e autor.

Embora seja curioso observar os desdobramentos psicológicos que se apossam da figura título, especialmente na maneira como o filme desenha a sua incapacidade de se impor contra o organizador da atração, existe o pressuposto de uma cristalinidade afilhada a um efeito prejudicial.

Restam atritos entre arquivos e depoimentos atuais que convertem a história em uma espécie de narrativa de autoajuda pouco acabada, desencorajada em realmente adentrar as diversas questões que da produção poderiam derivar. 

Ainda que sua origem seja devidamente instigante, e o nivelamento das consequências dicotômicas – enquanto personagem e enquanto figura íntima – sobre Tomoaki mereçam a sua atenção, O Competidor naufraga uma história com muito potencial, ignorando as próprias possibilidades ao subjugar a capacidade de relativização de uma linguagem atual a qual tenta se conciliar. 

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