Foram os Sussurros que me Mataram (2024) : apatia frente a um mundo distante

Foram os Sussurros que Me Mataram, de Arthur Tuoto (Foto: Divulgação)

Luigi Pepe

Arthur Tuoto chega ao seu quarto longa metragem. Muito conhecido por uma jovem cinefilia que se molda a partir dos anos 2010, dentro das produções de análise fílmica independente na internet, sua nova obra cria uma curiosidade na cabeça de seus seguidores. Tuoto é uma figura conhecida, com falas controvérsias e intrigantes, portanto, é impossível olhar esse filme de maneira distante. Em falas de diferentes personagens vê-se as palavras do diretor expressando o que pensa, transformando suas personagens em meros aparelhos de difusão de suas próprias falas. Acredito que essa sensação aconteça justamente por sabermos como o diretor fala em seus vídeos e articula suas ideias.

A estreia internacional do filme ocorreu na 27° Mostra de Tiradentes. Um dos filmes mais aguardados pelos jovens cinéfilos, sua recepção foi conturbada. O maior exemplo disso foram as reviews no site Letterboxd, feitas rapidamente após a sessão e evidenciando uma grande desaprovação por parte do público que frequenta o site. Na plataforma, o diretor ficou conhecido dentro do nicho com suas avaliações de filmes que muitas vezes completavam suas falas em outras redes. Sempre próximo das relações entre público e obra, Tuoto sabe que faz o filme em partes para esse público do site e discursa através de seus personagens, de maneira extremamente direta e verborrágica, analisando a produção cultural de massas contemporânea e a relação com as mídias sociais e as celebridades que dela surgem. No fundo, pouco importa o que está sendo dito do filme, pois o público que mais desejava consumí-lo queria mesmo era saber o que seria de um filme vindo de Arthur Tuoto, logar o filme, dar estrelinhas e dar uma rápida opinião antes dos demais cinéfilos.

A sinopse é a seguinte: uma conhecida atriz de cinema, Ingrid Savoy, aguarda, em um quarto de hotel, sua entrada no próximo  grande programa de reality show, enquanto, do lado de fora, fotógrafos e terroristas anarquistas tentam encontrá-la, seja para fotografá-la ou sequestrá-la antes da estreia do programa.

O filme se passa estritamente dentro do sintético quarto de hotel, que funciona como um palco. Ingrid está em cena o tempo todo enquanto entram personagens, que dialogam com ela e vão embora. Do começo ao fim, a estrutura não se altera muito, é um filme verborrágico cuja carga dramática e avanço narrativo se encontram nas vozes das personagens, que sempre se mostram apáticas, mecânicas e desinteressantes. Muitas vezes as personagens falam de um determinado assunto enquanto a outra personagem fala de outro completamente diferente, os diálogos propositalmente não se encaixam, ninguém está se escutando e pouco importa o que é realmente dito: um suicídio no quarto ao lado, um ataque terrorista ou a textura do bife, todos têm a mesma relevância e valor, o que realmente importa é o ganho financeiro e midiático que o assunto dessas “conversas” pode trazer.

A escolha de centrar a narrativa ao redor de uma celebridade em um programa de televisão similar ao Big Brother Brasil chama a atenção, afinal esse parece ser o único programa de grande relevância que sobrou a televisão brasileira e é o local onde as celebridades das redes sociais se convergem com uma mídia anterior a suas carreiras. O reality show atual é onde televisão e internet se misturam e a escolha de ficcionalizar esse fenômeno permite ao diretor tecer comentários sobre as velhas e as novas mídias. Os comentários são óbvios, é possível imaginar Tuoto falando aquelas frases em seus vídeos, os comentários filosóficos e religiosos são exatamente o que se espera dos pensamentos do diretor, não à toa um dos personagens é um influenciador digital que se parece fisicamente com o diretor.

É na conclusão do filme que o mais óbvio se revela: a ideia de que não há escapatória e que todas as tragédias transformam-se em produto na indústria cultural não é nova, a sociedade do espetáculo iguala o essencial e o fútil no mesmo nível de mercadoria. O que realmente chama a atenção é a transformação de todas as relações em futilidade e mercadoria. De forma proposital, a apatia das personagens frente ao mundo leva a apatia do espectador diante do filme. O sujeito trancafiado em seu próprio mundo subjetivo já não consegue se relacionar de maneira clara com o mundo. O “lado de fora” já não é mais percebido, o que se sabe sobre ele é o que é dito por terceiros, apenas. 

Dessa forma, o espectador se distancia do filme tanto quanto a protagonista de seu próprio universo. Não há fuga dessa prisão em direção ao “real”; tudo ao redor já se transformou em produto, portanto, sempre será a extração do “lucro” o objetivo de toda a ação, sendo este o produto uma tragédia, um pedaço de bife ou o ato de avaliar o filme no Letterboxd.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *