Entrevista com Arthur Tuoto | 27ª Tiradentes

Mel Lisboa em “Foram os sussurros que me mataram” (Foto: Divulgação/Grafo Audiovisual)

Conversamos com o crítico e cineasta Arthur Tuoto, que apresentou o seu novo longa- metragem na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Ele falou à Vertovina sobre o filme e sobre a influência das redes sociais na crítica de cinema 

Davi Krasilchik

No dia 22, foi exibido o longa-metragem Foram Os Sussurros que Me Mataram (2024), integrante da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes. O filme, dirigido por Arthur Tuoto, acompanha a história da atriz Ingrid Savoy (Mel Lisboa), integrante de um reality show que está prestes a ser lançado. O suspense aborda diversas questões, como a recepção da imagem e a vigilância digital, e concorreu ao Troféu Barroco pela Mostra Olhos Livres.

Em entrevista à Revista Vertovina, o diretor falou sobre as principais inspirações para o longa, e também comentou sobre a atual relação entre a crítica de cinema e a internet e o cenário do cinema de gênero e experimental no cinema brasileiro contemporâneo. Você pode conferir a entrevista, completa, logo abaixo:

Davi Krasilchik: Primeiro, eu queria que você falasse um pouco sobre como surgiu o projeto, como surgiram Os Sussurros.

Arthur Tuoto: A premissa surgiu faz tempo, coisa de sete anos. Eu cheguei a escrever um argumento, uma primeira versão do roteiro. Depois, na Grafo (Grafo Audiovisual), abriu um laboratório de roteiro. Eu mandei o projeto, que foi selecionado entre mais seis. Lá, o pessoal me ajudou a acabar o roteiro, a ver o projeto. No final do lab rolou um pitching em que eles pegaram dois projetos para produzir, o meu e mais dois, eu não lembro direito. Acabou assim. Depois de um ano, eles conseguiram o dinheiro do fundo e a gente fez o filme. 

Em relação à ideia, ela veio assim: eu estava vendo TV um dia e veio uma matéria do pessoal entrevistando alguém que era do Big Brother antes do Big Brother — tipo, nos quartos de hotel onde os participantes ficam esperando. Eu pensei “nossa, a pessoa está sozinha, ela vai pirar ali”. Aí, eu pensei em pegar essa premissa de um local fechado, meio alienante. Como na época eu estava muito numa pira de ler autores de ficção meio pós-modernos, como Don Delillo e Ballard, isso me influenciou bastante na construção do mundo do filme, sabe? Coisa meio distópica, e, também, de você não saber onde se passa e em quanto tempo tudo se passa. Eu queria ter essa coisa muito pessoal, muito fria de você não saber o que é o filme, não ter um contexto específico, e ele se valer mais daquela experiência estética que ele é.

DK: Pensando um pouco também nessa questão, lógico, do seu papel na crítica e tudo, quais foram as principais referências pro projeto, de que parte do repertório você puxou mais influências?

AT: Eu tentei limitar bastante as referências, porque acho que a grande questão, o problema dos cinéfilos que fazem filme, é que você pode querer fazer muita coisa num filme só — e querer trazer muita referência, muito flerte e muita piscadela. Isso eu queria evitar ao máximo. Então, eu tentei partir de uma questão um pouco mais rigorosa nas referências. Eu elegi ali alguns. O Hal Hartley, o Cronenberg, o Bresson. Além desses autores que eu gosto, mais pós-modernos. Aí, um pouco da Sarah Kane, uma dramaturga. E só. Tentei não pensar muito para além disso, e me focar mais numa linguagem que se sustentaria a partir daquilo que eu tinha. Não ficar jogando muita coisa ali.

E na temática também, bastante. Tentei me nortear pela personagem ser atriz. Entrando mais na questão da sátira, de ela ser uma atriz egocêntrica, e dela ter feito filmes variados, e também ter esse discurso de defender uma certa estética mais mainstream, como se fosse uma coisa meio vanguardista. Aquilo que ela fala sobre comédia romântica e tal. Isso também é uma coisa que, no papel de crítico, eu defendo. Mesmo que no filme seja uma sátira, sempre defendo.

DK: Pensando na sua filmografia, que é marcada por muitos curtas que são experimentais, exercícios de manipulação de alguma imagem de diferentes naturezas, a película, oito milímetros e tal. Você falou ontem na apresentação que foi um projeto que exigiu muito tecnicamente, um projeto um pouco maior, em um set mais comercial, ainda que, obviamente, o produto final não seja um filme propriamente dito comercial. Como foi trabalhar essa linguagem um pouco distante de outros filmes seus?

AT: A minha questão foi pegar o projeto antes, tentar definir muito mais a decupagem antes de filmar, e tentar definir uma questão estética — desde cor, de fotografia, de plano e de figurino. Eu fiz um texto para cada área do filme, precisava fechar uma estética só. Tudo assim, em teoria antes, para depois chegar e executar: isso foi essencial. Também foi muito importante a questão de ensaiar com os atores também, porque, no ensaio, a gente até mudava aspectos do roteiro, para depois, no filme, ficar certinho, sabe? Ritmo e ideias chaves e tal. Então, foi uma questão mais de planejar muito bem, porque, na hora, a gente não chegou a improvisar muito, foi uma questão de chegar e executar.

DK: Outro aspecto que chama muito a atenção é que ele é um filme que está super comprometido com o antinaturalismo. E tem toda essa questão do artifício, de ser um filme de gênero e tudo mais. Qual você acha que é o lugar desse cinema mais vanguardista e de gênero no cinema brasileiro de hoje? Pensando até em um recorte aqui em Tiradentes e tudo mais.

AT: É, acho que ele está num nicho bem pequeno, bem perigoso, que é o nicho do nicho, porque ele vai flertar com aspectos mais de vanguarda. Como também mais de gênero, de suspense, de algo mais dramalhão. Então, nem todo mundo faz essa distinção no gosto pessoal. Acho que ele fica um pouco distante de um gosto normal, até entre pessoas que gostam de filmes de arte, digamos assim. Esse ponto é muito específico.

O que eu penso em relação ao Brasil, em geral, é que hoje rola uma saturação de um cinema muito naturalista, muito realista, que quase se anula. Uma coisa que eu cheguei a falar muito com a Mel, também, é que, em vários filmes, os atores não tem muita chance de atuar, porque eles vão performar como eles mesmos, digamos assim. Falando coloquialmente, então, é como se as coisas estivessem ficando quase “anti-atuação”. Algo que pode chegar num “anti-cinema” também, sabe? Eu queria fazer uma coisa totalmente oposta a isso, uma coisa muito mais maneirista, em termos de visuais, e teatral, em termos de encenação e de drama, pra pegar esse outro lugar. De quem faz isso hoje em dia, acho que de quem eu mais gosto é o Julio Bressane, que talvez se aproxime da questão um pouco mais conceitual do drama e da cena. Até muito mais do que eu, né? Eu até proponho uma evolução narrativa, mais ou menos, ele quase não tem isso. Mas acho que mais ele, assim mesmo, que eu gosto muito e faz isso.

DK: Como você trabalhou os diálogos do filme, e a sua relação com os atores? 

AT: Teve bastante colaboração com eles. É um filme muito aberto, mas, como ele tem muitas frases, como ele tem muitos apontamentos diretamente da boca dos atores, isso acaba influenciando na forma como as pessoas recebem o filme. As falas foram muito importantes na questão de criar o ritmo do roteiro, e o processo envolveu muito teste pra ver o que dava certo, quando dava certo. Foi essencial ensaiar o filme inteiro, com os atores antes, pra mudar ritmo, mudar deixa. A gente queria que tudo fosse muito verborrágico. Cada personagem tá num mundo específico. Eles falam muito mas não se comunicam. Ou você embarca nessa questão mais fragmentada e satírica, ou não.

DK: Você pode falar um pouco mais sobre a temática do filme?

AT: Acho que o tema central é a questão da alienação, e de como essa preocupação com a tua imagem gera uma alienação. Então, a coisa do reality é talvez uma expressão máxima disso, de como você vai construir uma imagem a partir de uma performance, e a pessoa pode ser ou adorada ou odiada por causa disso — por uma performance, não por uma questão real.

DK: Você já falou um pouco disso, mas eu queria saber como, na hora da direção, o seu papel como crítico acaba influenciando? Ou se você precisa, por exemplo, tentar separar um pouco as coisas na hora do set. 

AT: Acho que, no geral, como eu sempre estou lendo, estudando e vendo filmes, acabou que isso me deu uma base tanto técnica como histórica para dirigir o filme. Então, isso foi essencial. Principalmente em uma questão mais técnica, para conseguir dialogar com todos da equipe. Tudo que eu estudei foi essencial pra isso, mas, eu acho que não chega a ter nenhum conflito. Talvez, um medo de tentar emular alguém, um diretor que eu goste… Mas eu acho que não senti nada muito conflitante nesse ponto, foram mais questões que agregaram.

DK: Não é a sua primeira vez apresentando um filme seu em Tiradentes. Eu queria saber se por acaso já teve a chance de ter alguma impressão de ontem, como foi a reação do público, como as pessoas estão recebendo o filme.

AT: Mais ou menos. Sinceramente, não sei ainda. Eu acho que é um filme muito… É difícil de ler de um modo imediato… Então, acho até bom as pessoas darem um tempo depois soltarem as impressões. Acho que é difícil tentar ler as pessoas. Às vezes, quem gostou, na hora fica meio assim, ou depois muda de opinião. Então não consigo ter uma base muito boa. Talvez daqui a um tempo, eu acho.

DK: Queria te perguntar também sobre o espaço de circulação do cinema mais experimental. Na apresentação do Sussurros ontem, você parabenizou o festival por isso. E muitos dos seus filmes circularam pelo Festival Ecrã, que agora foi desligado, esperamos que temporariamente. Como você vê esse cenário atualmente?

AT: Acho que está cada vez mais limitado. Eu acho que faltam grandes festivais, no nível de Gramado, até Brasília, terem mais mostras paralelas, dedicadas a questões mais realmente radicais, realmente experimentais. Porque, às vezes, eles pegam algumas equipes de curadoria que buscam só questões mais convencionais, mais comerciais. Sendo que acho que o Brasil tem uma tradição muito forte de filmes underground, radicais. Isso não tem para onde escoar, basicamente.

DK: E, para finalizarmos, queria te perguntar como você enxerga essa expansão da crítica pelas redes sociais. Quais possibilidades isso oferece, quais os prejuízos?

AT:  Acho que o ponto negativo é que esse papel da crítica profissional morreu praticamente, né? Acho que morreu já. Mas, por outro lado, você tem uma coisa muito mais acessível, de quase qualquer coisa que você queira ver. Eu acho isso muito bom. Às vezes, eu leio, vejo pessoas em críticas leigas que são melhores que críticas famosas. Isso eu acho muito bom. Não temos mais essa figura do crítico como um profissional pago e tal. Acho também que os influenciadores estão substituindo esse papel — várias publicidades, ações para influencers. Isso é algo que tá muito ruim nesse ponto, podendo minar a recepção dos críticos de fato, e padronizar um certo pensamento quanto a um filme.

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